No último domingo, 12 de setembro, Geraldo Vandré (nome artístico de Geraldo Pedrosa de Araújo Dias), cantor, compositor e poeta, um dos mais enigmáticos personagens da Música Popular Brasileira, completou 86 anos de vida, recluso e envolto em uma aura de mistério que não faz questão nenhuma de solucionar. Há alguns anos, estive pessoalmente na portaria do edifício onde Vandré reside, na Rua Martins Fontes, centro de São Paulo, mas, infelizmente, o poeta havia viajado.
Em 1968, sua festejada composição “Pra não dizer que não falei das flores”, uma forte canção de protesto também conhecida como “Caminhando”, ficou em segundo lugar no 3º Festival Internacional da Canção, atrás de “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque. A derrota enfureceu a plateia. “Caminhando”, afinal, era um tapa na cara da ditadura como ninguém jamais havia ouvido. E Vandré, àquela altura, era ovacionado como o mais valente dos compositores. Especula-se que a euforia causada pela canção tenha apressado o Ato Institucional Nº 5 (AI-5), dali a um mês e meio.
Ainda em 1968, Vandré fugiu do país, voltando bastante diferente em 1973, mergulhando, desde então, no mais absoluto anonimato. Segundo relato do saudoso Jair Rodrigues, ao reencontrar o amigo, já novamente no Brasil, foi recepcionado por uma estranha afirmação: “Eu cheguei todo animado e disse: ‘Vandré!’ Aí ele me olhou e falou: ‘Eu sou o Geraldo Pedrosa, o Geraldo Vandré morreu em 1968”.
Foi somente em 22 de março de 2018 que se deu sua tão esperada volta aos palcos, após meio século de silêncio, quando, pela primeira vez em 50 anos, Vandré cantou em solo brasileiro “Pra não dizer que não falei das flores” (“Caminhando”) em João Pessoa, Paraíba.
Naquela oportunidade, lançou, também, em sua terra natal, o livro de poemas intitulado “Poética”, de sua autoria, obra que recebi de presente de Darlan Ferreira, produtor cultural e amigo de Vandré. A obra, originalmente intitulada de “Cantos Intermediários de Benvirá”, teve sua primeira edição lançada no Chile em 1973, ainda durante o período do exílio do artista naquele país. Já “Poética”, a primeira edição brasileira da obra, que folheio enquanto escrevo este texto, foi lançada na Academia Paraibana de Letras, em João Pessoa/PB, terra natal de Vandré.
Peço licença aos que me leem para citar excerto de um dos longos e inspirados poemas contidos neste livro, (páginas 22 e 23), versos que parecem feitos para o atual momento conturbado da política nacional:
“Amantes do mundo inteiro,
sois vós a revolução.
Unidos pela palavra,
sem medo do palavrão
que engana pelo exagero
ou simples repetição:
Esquerda – Direita
Esquerda – Direita
Esquerda – Direita
Esquerda – Direita;
não,
não volvemos não.
Ordinário, marcharemos
só pra frente, capitão.
E entre o velho e o novo
ficamos na voz do povo;
pequenos como sabemos,
imensos como queremos.”
Viva Geraldo Vandré! Viva o poeta-cantor!
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