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Por: Jornal A Tribuna
26/12/2022
09:00

Um dos cultivos históricos do Circuito das Águas Paulista é a produção de café, o produto desenvolveu a região nos seus primórdios, apesar de perder a força com a queda de 1929, mesmo assim permaneceu na região e hoje vive uma nova fase e ainda mais pujante: a dos cafés especiais, que ganhou terreno e notoriedade nos últimos 10 anos. Com a descoberta de particularidades sensoriais, novos usos e qualidades reconhecidas nacional e internacionalmente, a trajetória dos cafés especiais do Circuito das Águas Paulista tem sido extremamente positiva.

De uns tempos para cá, principalmente depois de vários cursos e concursos de qualidade do café, introduzidos pelo Sindicato Rural de Amparo e Região, o Circuito das Águas Paulista se tornou conhecido pelos cafés especiais. Em 2018, nasceu a Associação dos Produtores de Cafés Especiais do Circuito das Águas Paulista (Acecap), envolvendo os nove municípios do circuito: Águas de Lindóia, Amparo, Holambra,  Jaguariúna, Monte Alegre do Sul, Lindóia, Pedreira, Serra Negra e Socorro, com o objetivo de unir esforços dos produtores em busca de qualidade do café. No mesmo ano, o Circuito das Águas Paulista liderou o Concurso Estadual de Qualidade do Café de São Paulo com dois finalistas.

De acordo com dados da Acecap, a região reúne hoje 1.800 produtores, com 7 mil hectares de plantação de café, colheita média de 192 mil sacas de 60 quilos, cuja produtividade chega a 28 sacas por hectare. O resultado vem em sua maioria de pequenas e médias propriedades, muitas vezes lideradas por mulheres cafeeiras, com até 50 hectares de produção, o que resulta em um café de produção familiar, muito bem cuidado em todas as etapas e com muita tradição, passada de geração em geração, alguns chegando à quinta ou sexta geração, especialmente de imigrantes italianos que se instalaram nas fazendas de café da região no século XIX. Sem dúvida, a contribuição das mulheres e da agricultura familiar se destaca na cafeicultura do Circuito das Águas Paulista. Há também uma nova onda de cafeicultores, que vieram à região atraídos pela qualidade de vida, vocação cafeeira e características produtivas.

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“Somos orgulhosos de fazer parte dessa transformação, que contou com o sindicato e depois com o apoio da associação, na premiação dos cafés da região como incentivo à mudança no modo de produção. Hoje, fico feliz em ver como a região tornou-se conhecida pela produção de cafés especiais, cada vez mais premiados fora daqui”, reforça Roseli Vasco de Toledo, coordenadora do Sindicato Rural de Amparo e Região. O prêmio Concurso Qualidade do Café Circuito das Águas Paulista já está em sua 15º edição, e é apontado como um dos incentivadores que junto com outros fatores levou a essa mudança na qualidade do grão e a uma transição que antes era predominantemente commodity.

Na última década, o Circuito das Águas Paulista notadamente migrou do café de commodity para o café especial, impulsionado também pelo movimento mundial da segunda e terceira ondas do café. A decisão vem dando bons frutos e já desdobra em um café premiado, de altíssima qualidade para o consumidor, melhor rentabilidade para os produtores, sustentabilidade para um café de montanha, com características de topografia e relevo e no desenvolvimento de produtos associados, um deles é o turismo de experiência e conhecimento, que incrementa a produção agrícola e valoriza ainda mais o produto.

De visitas guiadas às fazendas até lugares charmosos para degustar o “queridinho” dos brasileiros, a região é um bom destino para experiências com café. Cada vez mais propriedades do Circuito das Águas Paulista se abrem para visitações, com atividades orientadas e sensoriais que apresentam o processo de cultivo do café até chegar à xícara. “O turismo de café, de uma maneira geral, está se estruturando na região e representa um potencial de crescimento muito grande, principalmente como oportunidade de negócio para pequenos e médios produtores de café do Circuito das Águas Paulista”, afirma Luiz Eduardo de Bovi, produtor de café da Fazenda 7 Senhoras Speciality Coffee, que recebe turistas para experiência no cafezal.

Nessa onda do café, o protagonismo voltou-se às pessoas, os produtores, os profissionais, baristas e micros torrefadores que ampliam seu conhecimento no universo do café, estendendo-o ao seu público e formando os novos consumidores. Foi o que percebeu a produtora de café, Márcia Bichara, que também abriu sua propriedade para vivências com uma pousada ecológica no meio da produção de café, projeto chamado Cafezal em Flor. No roteiro, os turistas têm a oportunidade de conhecer os pés de café, as diferentes variedades produzidas na propriedade, os processos de pós-colheita, a torra, o preparo, e deliciar-se em uma cafeteria com os diferentes métodos de extração. “Verticalizamos nossa produção. Nossa proposta vai ao encontro da terceira e quarta onda, onde o consumidor quer conhecimento sobre o quê está consumindo e como foi produzido”, afirma Márcia.

Não basta mais citar o país para falar de origem, mas, sim, a região produtora, chegando por vezes a um café com assinatura, que aborda a região, o produtor, sua história familiar e da fazenda, como é no mundo dos vinhos. A exigência da qualidade dos grãos aumentou e para extrair e perceber estes níveis surgiram as torras mais claras e controladas, praticamente um processo artesanal que traz a figura do mestre de torra, deixando o café extra forte como coisa do passado. As notas sensoriais ganharam força, com descrição detalhada das nuances obtidas em cada café e um maior interesse dos consumidores pela origem, safra, processo e variedades.

Com o potencial brasileiro, segundo maior mercado global para café, cujo consumo per capta do brasileiro gira em torno de 6kg/habitante/ano, a região evolui para uma cultura do café, com uma nova geração de consumidores, que introduziu  o público mais jovem e deixa o café cada vez “mais descolado” e ligado a um estilo de vida.

Não é por acaso, que o Café do Circuito das Águas Paulista tem alcançado prêmios e reconhecimento como região produtora de cafés especiais, com características intrínsecas ligadas principalmente a sua geografia e clima. A região é apontada como ideal para o cultivo do produto, por conta do solo e altitude, melhoramento de variedades advindo das pesquisas do IAC - Instituto Agronômico, além de amplitude térmica com diferentes temperaturas (calor de dia e frio à noite) dentro de uma estabilidade equilibrada, que valoriza a maturação da fruta e resulta na principal característica do Café do Circuito da Águas Paulista, a doçura acentuada e marcante. “Diferente de qualquer região do Brasil, nosso café tem uma doçura aguçada, que se brinca por aqui que o açúcar é colocado no pé de café”, explica a presidente da Acecap, Silvia Fonte, que é proprietária do Sítio São Roque e se dedica a expansão do café orgânico entre os cafés especiais, tendência também em alta na região.

De acordo com o barista e mestre em torra, Fernando Gomes Moreira, que atua com os cafés da região há 8 anos e acompanha toda essa evolução, o Circuito das Águas Paulista tem clima e altitude favoráveis à produção de um café privilegiado, que chega ao auge de suas características com o desenvolvimento do cultivo de cafés especiais na região, com esse movimento de transição por um café de maior qualidade. De acordo com estudiosos, a soma do terroir da região e a elevação do nível do mar são fatores diferenciais na qualidade do café do Circuito das Águas Paulista, o que provoca nuances únicas à xícara. Isso mesmo: terroir, a palavra francesa utilizada para territórios vinícolas, foi emprestada para o mundo dos cafés especiais, tendo em vista que algumas regiões brasileiras produzem grãos com características muito próprias.

Dentre outras características, o preenchimento de corpo do café da região também se destaca, com preenchimento de boca, que resulta em um café extremamente aveludado, com acidez de frutas amarelas, notas de frutas secas, nozes, caramelo e chocolate, às vezes, floral, sabores e características mais encontradas no café do Circuito das Águas Paulista.

É por isso que o Circuito das Águas Paulista deu início ao processo de indicação geográfica para reconhecer o café produzido na região. Indicação geográfica é uma identificação de produto ou serviço característico do seu local de origem, que possui uma ligação tão forte com os produtores locais e o território onde são produzidos que podem obter esse reconhecimento. No Brasil, por exemplo, há 93 territórios que tem o selo de Indicação Geográfica (IG), programa conduzido pelo Ministério da Agricultura.

Essa classificação é concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) e mostra, sobretudo, que um local ou região tem reputação por produzir um determinado produto, cuja tipicidade e notoriedade ganharam fama. A tradição, o modo de fazer e as características naturais do ambiente influenciam na qualidade final. “Há um vínculo notório do território com o produto, que é percebido pelos viajantes na paisagem, na memória, no modo de fazer e no conhecimento de seus detentores, características que vemos na produção do café relacionado ao Circuito das Águas Paulista”, conceituou o auditor fiscal federal da Superintendência Federal de Agricultura em São Paulo, Francisco José Mitidieri, responsável técnico pelo programa no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) no Estado de São Paulo.

O processo para obtenção da Indicação Geográfica está sendo realizado pelo Sebrae junto ao Movimento Líder do Circuito das Águas Paulista, que reúne as principais lideranças da região, e conta com apoio do Instituto Federal de São Paulo, das prefeituras das nove cidades envolvidas, encabeçado pela estruturação da Associação dos Produtores de Cafés Especiais do Circuito das Águas Paulista (Acecap), explica o gerente regional do Sebrae-SP, Nilcio Freitas.  

Alguns cafés da região já exportam para diversos países, especialmente mercados da Europa Ocidental, Leste Europeu e EUA, e já chegaram a Austrália, China, Paraguai, Qatar, Rússia, Eslováquia, Emirados Árabes Unidos, Uruguai. Entre eles, estão os cafés da Fazenda Fronteiras e da Fazenda 7 Senhoras, entre outros.

Mais dados

Números da Casa da Agricultura mostram que a maior concentração do Circuito das Águas Paulista está em Socorro, com 1033 produtores que cultivam 2365 hectares. Depois vem Serra Negra, com 207 produtores em 2.523 hectares, seguido de Amparo (147 e 900 hectares), Monte Alegre do Sul (120 e 486 hectares) e Águas de Lindóia (94 e 342 hectares) e as outras cidades, completando 1.800 produtores. O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo, sendo que o café especial teve um crescimento de 5,2 milhões de sacas em 2015 para 8,5 milhões em 2017, de acordo com a Associação Brasileira dos Cafés Especiais (BSCA), além do que a exportação de cafés especiais é um mercado em crescimento de 20% ao ano.

História

Há registros em documentos que mostram cidades da região do Circuito das Águas Paulista, como  Socorro, já com participação do prelúdio da cafeicultura paulista (1840-1895). Por volta de 1840, a cidade já registrava atividade cafeicultora realizada em pequenas propriedades. O café chegou ao Circuito das Águas Paulista em busca de terras novas, ocupando o espaço de outras culturas e das matas nativas.

Começaram, então, as correntes migratórias. De início, alguns fazendeiros introduziram as experiências com colônias de parceria, deslocando legiões de europeus para a lavoura do café. Campinas introduzira as novidades e seu progresso contaminava as cidades vizinhas.

Amparo atingiu seu ápice econômico em 1870, tornando-se um próspero município produtor de café. Com a ferrovia, acelerou-se o fluxo migratório e a região multiplicou sua população, atraindo investimentos novos, diversificando a economia e gerando um princípio de industrialização. A crise de 1929 represou esse progresso, mas os pés de café nunca saíram da paisagem do Circuito das Águas Paulista, mantendo tradição e histórias que já chegam a sexta geração de produtores.


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