O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) entendeu que o funcionário do IBGE agredido por bolsonaristas durante bloqueio ilegal na Rodovia SP-360, no trecho Amparo-Morungaba e que foi preso e indiciado pela Polícia Civil por tentativa de homicídio na direção de veículo automotor é, na verdade, vítima do caso, e não agressor. O MP decidiu também encaminhar o caso para investigação da Polícia Federal já que o funcionário atua num órgão federal.
O caso ocorreu no dia 1º de novembro de 2022. Tiago Marcolino Pereira, 23 anos, alegou que foi ameaçado e agredido antes de furar o bloqueio, sendo perseguido e linchado. Ele teve o nariz fraturado e sofreu diversas escoriações pelo corpo.
O delegado Rodrigo Sala, responsável pelo caso, afirmou ao G1 na época, com base nos depoimentos colhidos, que o servidor do IBGE avançou com a intenção de atingir quem estava fazendo o bloqueio da via deliberadamente, sendo alvo das agressões após o esse fato.
A 3ª Promotoria de Justiça destaca a controvérsia "em torno das circunstâncias que levaram Tiago a escapar ou atravessar o bloqueio", e em sua manifestação destaca que foram considerados depoimentos colhidos pela promotoria, pela sindicância que tramitou no IBGE e por documentos enviados pelo MP e PF.
Ao confrontar os elementos, a promotora Flavia Travaglini Zulian destaca que "não é possível concluir pela existência de indícios de delito contra a vida praticado por Tiago", ao mesmo tempo que a versão apresentada pelos manifestantes "não é crível diante do contexto exposto".
Para Zulian, os fatos indicam que Tiago teria sido vítima do crime de lesão corporal (artigo 129), supostamente cometido pelos bolsonaristas que bloqueavam a estrada.
"Ante o exposto, verifico que os fatos indicam a ocorrência de supostos crimes perpetrados em desfavor de funcionário público federal (artigo 129 do Código Penal), e de bens de propriedade da União (artigo 163, parágrafo único, inciso III do Código Penal), situação que atrairia a atribuição da Polícia Federal para conclusão das investigações", diz trecho da manifestação.
Diante dos elementos apurados, a promotora então pede à Justiça a revogação de medidas cautelares impostas ao funcionário do IBGE, além de que seja reconhecida a atribuição da Polícia Federal para conclusão das investigações.
O documento assinado em 22 de maio, e ao qual o g1 teve acesso na terça, 30 de maio, já foi anexado aos autos, e o processo aguarda decisão do juiz.
Procurada para comentar o caso, a defesa de Tiago comemorou a manifestação, e disse esperar que o caso seja arquivado.
"Desde o início a defesa entendeu pelo respeito ao protagonismo do Ministério Público em promover diligências para elucidação dos fatos. A manifestação do órgão ministerial é assertiva e lucida. Tiago é vítima e não autor de crime. É positivo também o reconhecimento da competência da Policia Federal e consequentemente da Justiça Federal para investigação e possível ação penal contra os terroristas que atentaram contra a integridade física dos servidores e também do patrimônio da União. Seguiremos acompanhando o inquérito na Policia Federal, esperamos a responsabilização penal dos suspeitos. Aguardaremos o despacho do juiz da comarca. Esperamos que os autos sejam arquivados, sendo reconhecida a inocência de Tiago", afirmou o advogado Sérgio Augusto de Souza.
Ao G1, Tiago disse que, enfim, "vai dormir o sono dos justos".
'Trabalhava para Lula'
Tiago conta que temia pela vida quando avançou contra o bloqueio ilegal, uma vez que estava cercado por pessoas que desferiam golpes contra o carro, contra ele e que gritavam, entre outras coisas, que o "IBGE trabalhava para Lula".
No registro da ocorrência, o delegado responsável entendeu que a versão de Tiago demonstrou ser "inverossímil, na medida em que as testemunhas – inclusive sua colega de trabalho – nega que tenha ocorrido qualquer agressão ou provocação na altura do bloqueio", e determinou a prisão em flagrante por tentativa de homicídio.
Ao contrário do relatado pelo delegado no auto de prisão, Carmem da Silva Rodovalho, de 47 anos, afirmou ao g1 que Tiago foi agredido já no bloqueio da rodovia, e que eles fugiram pois temiam pela vida.
Ao g1, o delegado Rodrigo Caldeira Sala disse na ocasião que indagou a funcionária, e garantiu que ela teria afirmado que não houve qualquer agressão e provocação por parte dos bolsonaristas no bloqueio. "O depoimento oficial já foi prestado, e foi muito claro. Caso o Ministério Público entenda por uma nova oitiva, ela será solicitada", disse.
Notificação à Corregedoria
Assim como afirmou ao g1, Carmem da Silva alegou à promotoria que suas declarações teriam sido modificadas pela Autoridade Policial no registro da ocorrência, com interferência de manifestantes e que a todo momento foi pressionada "insinuando que ela teria um relacionamento amoroso' com Tiago.
Diante dos fatos, a promotoria de Amparo comunicou o caso à Corregedoria da Polícia Civil para ciência e providências cabíveis.
O g1 solicitou à Secretaria de Segurança Pública (SSP) posicionamento sobre a manifestação do MP sobre as divergências no depoimento. A reportagem será atualizada assim que a pasta se manifestar.
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