Novamente, os holofotes se voltam à polêmica questão da obrigatoriedade da vacinação e dos impactos sociais àqueles que não aceitam a imunização, o que está sendo objeto de discussão acirrada, não só no Brasil, mas no mundo.
A recentíssima Portaria n. 620, de 1º de novembro de 2021, do Ministério do Trabalho e Previdência, dispõe que ao empregador é proibido, na contratação ou manutenção do contrato de trabalho, exigir o que intitula como “documentos discriminatórios ou obstativos para a contratação”, especialmente a carteira de vacinação.
Ainda, define como sendo “prática discriminatória”, a obrigatoriedade de apresentação de certificado de vacinação em processos seletivos de admissão de trabalhadores e proíbe as demissões por justa causa àquele que recusar-se imotivadamente à imunização, sob pena de reintegração ao emprego ou recebimento de forma dobrada a remuneração do período em que esteve afastado.
Porém, qual a força vinculante da Portaria 620/21 ao jurisdicionado?
Terá ela efeito retroativo, para anular demissões por justas causas já consumadas pela recusa injustificada do trabalhador em vacinar contra a COVID-19, e que já foram confirmadas inclusive pelos Tribunais de 2ª instância, reconhecendo a licitude da modalidade de demissão a partir da análise da prova produzida?
A resposta, seguramente, é não! Até porque, as “Portarias Ministeriais”, tratam-se de documentos do ordenamento administrativo interno, destinados a estabelecer diretrizes, normatizar métodos e procedimentos, a fim de orientar os dirigentes e servidores no desempenho de suas funções.
Significa dizer que a Portaria Ministerial 620/21, em que pese o louvável propósito de preservação dos empregos e da renda dos trabalhadores contra dispensas arbitrarias ou discriminatórias e o livre exercício das garantias individuais previstas na Constituição Federal, possui efeito vinculante tão somente para o Poder Executivo que a editou, tratando-se de uma norma interna corporis.
E nem se diga quanto ao seu caráter inconstitucional, na medida em que a referida Portaria invade competência exclusiva do Poder Legislativo, violando o princípio da reserva legal que se equivale ao princípio da legalidade quando dispõe sobre matéria que obrigue condutas aos empregadores, não previstas em lei.
Sabemos que a demissão por justa causa é, sem dúvida, a mais grave penalidade que o empregador pode aplicar ao empregado, representando verdadeira mácula funcional, ou a chamada “pena capital” a ele imposta.
E justamente diante dos efeitos nefastos dessa modalidade de ruptura do contrato de trabalho é que deve ser aplicada pelo empregador com absoluta cautela, prudência e técnica, ainda mais quando a motivação parece resvalar em garantias individuais do cidadão.
Porém, a Portaria 620/21 vai na contramão do posicionamento da mais alta corte Trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho, que já manifestou-se no sentido de que o direito da coletividade se sobrepõe aos interesses individuais, e aquele que se recusar injustificadamente à imunização, age deliberadamente para o comprometimento da segurança do ambiente de trabalho, de responsabilidade do empregador, sendo justificável neste caso, a ruptura do contrato de trabalho por justa causa.
O Ministério Público do Trabalho, da mesma forma, admite a possibilidade da ruptura do contrato de trabalho por justa causa do trabalhador que injustificadamente recusa em vacinar-se, porém, alerta que deverá ser o último recurso do empregador, mesmo em nome da higidez do ambiente laboral.
Neste caso, o Ministério Público do Trabalho (MPT) orienta que o trabalhador seja submetido a tratamento médico ou psicológico, com esclarecimentos sobre a vacina, diante da proliferação massiva de fakes news, que fomentam a indústria da desinformação.
Não podemos relegar o fato de que o Supremo Tribunal (STF) decidiu pela obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19, com a ressalva de que as pessoas não sejam “forçadas” a se imunizar, prevendo a possibilidade de implementação de medidas pela União, Estados, e Municípios, ainda não disponibilizadas à sociedade.
Questões complexas não comportam soluções simplistas, como pretendeu o Ministério do Trabalho e Previdência Social, por intermédio da Portaria 620/21.
Realmente, a ruptura do contrato de trabalho por justa causa deve ser a “última ratio”, ou seja, o último recurso disponível ao empregador, mesmo que em nome da manutenção da segurança do ambiente de trabalho, medida que será analisada também à luz dos princípios protetivos que trazem garantias ao trabalhador e que diminuem as desigualdades existentes nas relações laborais, porém, não poderia ter havido a regulamentação da matéria por ato do Executivo, como pretendeu o Ministério do Trabalho e Previdência Social.
O poder diretivo do empregador (artigo 2º da CLT), traduzido como a capacidade atribuída ao empregador de determinar o modo como a atividade do empregado em decorrência da relação de emprego deve ser exercida, foi mitigado pela Portaria Ministerial.
Assim como foi mitigado o dever legal do empregador, de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e evitar prejuízos à saúde dos trabalhadores (artigo 157 da CLT), considerando que a COVID-19 poderá ser reconhecida como doença ocupacional.
É fato que ao empregador, diante do poder diretivo que detém, poderá dispor e estabelecer normas que não disponham contra a lei vigente, pelas quais cumpre e faz cumprir as medidas de segurança e medicina do trabalho, no sentido de preservar o ambiente laboral e a saúde coletiva dos trabalhadores, considerando que o interesse da coletividade se sobrepõe aos individuais.
Poderá, inclusive, dispor sobre estas e outras circunstâncias em Regulamentos Internos e Normas de Condutas aos quais os trabalhadores estarão submetidos e cujas cláusulas aderem ao contrato de trabalho.
Por sua vez, o empregado é obrigado a se submeter a todas as regras e utilizar todos os equipamentos de proteção necessários para essa prevenção.
A inobservância desta condição é passível de penalidade ao trabalhador por ato faltoso, na forma do artigo 158 da CLT, em que pese não esteja no elenco do artigo 482 da CLT, sem prejuízo de reconhecimento de ato de indisciplina ou de insubordinação.
Assim, não é aceitável que a Portaria Ministerial fundamente a proibição do rompimento do contrato de trabalho por justa causa pela não apresentação de cartão de vacinação, “contra qualquer enfermidade”, pelo fato de não se encontrar inscrita essa modalidade no elenco de justas causas pelo empregador, previstas no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho.
O fato é que a vacina não pode ser uma pauta política. Fundamental é que tenhamos políticas públicas que permitam ao Brasil a vacina acessível a toda população e os trabalhadores devem colaborar para a contenção da pandemia.
Nota da redação: Elizabeth Greco, especialista em relações de trabalho da Lopes & Castelo Sociedade de Advogados
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