“Sonho com o dia em que a igualdade deixará de ser utopia e se transformará em direito. Que haja justiça no mundo.”
Grande parte da população mundial acreditava que no mundo pós-pandemia a sociedade seria mais inclusiva, empática e plural. Incontáveis foram as apostas neste sentido, principalmente ao depararmos com a nossa fragilidade perante mais de 600 mil mortes. Ledo engano! Infelizmente, o ser humano caminha no sentido oposto dos impactantes avanços impostos pela Revolução Tecnológica que rapidamente se processa. Ao encontro dessa afirmativa, em inúmeros programas televisivos e jornais impressos, foram veiculadas, na última semana, tristes reportagens, apresentando várias situações absurdas que colocam em xeque a racionalidade humana e o entendimento cristão que propõe uma convivência fraterna e solidária.
No mundo do trabalho, um áudio gravado com um conteúdo infeliz mostra a discriminação e o preconceito presente no processo de contratação de colaboradores de uma conhecida rede de farmácias do Rio Grande do Sul.
"Pessoas muito tatuadas, vocês sabem que a empresa não gosta. A questão: piercing na língua, na testa, não pode. A gente lida com saúde. Pessoas muito gordas, vocês sabem… se pegar alguém… com todo respeito, “viado”, tem que ser uma pessoa alinhada que não vire a mão, que não desmunheque. Vamos pegar gente com aparência boa”.
Outro absurdo foi narrado pela advogada Maria Nazaré Paulino que acusou um motorista de aplicativo de racismo.
“Aproximei-me do carro e esse senhor não abria a porta. Eu mostrei meu telefone para ele, identificando que eu era a passageira. Ele falou que o carro dele não carregava preto vagabundo, que não ia carregar gente da minha cor”, conta.
Já em Fortaleza, ex-funcionários de uma grande loja disseram que a empresa tinha um código acionado quando pessoas percebidas como “pobres” entravam na loja.
A acusação surgiu na investigação sobre o caso da delegada Ana Paula, que foi barrada ao entrar na loja em setembro. Um funcionário disse que ela não podia entrar, porque estava com a máscara abaixada. Ana Paula estava chupando um sorvete. Mas outras imagens do mesmo dia mostram clientes brancos circulando normalmente, mesmo sem máscara.
Os acontecimentos narrados nos levam a refletir sobre atitudes estarrecedoras que, praticadas por pessoas ditas “racionais”, acabam frustrando as previsões otimistas de um futuro melhor.
Já as Pessoas com Deficiência também continuam sofrendo com o CAPACITISMO, termo definido como uma forma de discriminação em que se subestima a sua capacidade, aptidão ou competência profissional.
O Capacitismo no ambiente corporativo é sentido por muitas pessoas que estão inseridas nesse meio ou que estão tentando uma colocação em alguma empresa. Para se ter uma ideia, sete em cada 10 brasileiros com deficiência acreditam que as organizações têm preconceito em contratá-las. E daquelas pessoas que já atuam em companhias, mais de 69% já presenciaram ou viveram algum tipo de discriminação no ambiente de trabalho (pesquisa de 2020 do Ministério Público do Trabalho).
Mas os dados, na verdade, são muito mais alarmantes. Hoje, no Brasil, apenas 440 mil pessoas com deficiência ocupam postos de trabalho formais e só 0,6% deles fazem parte do alto escalão das organizações. Um número irrisório num universo de 45 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência, que representam 24% da nossa população.
Esse cenário por si só já é bastante capacitista. Mas quando paramos para pensar nos motivos, aí vemos como o preconceito e a discriminação estão presentes na cultura de grande parte das empresas brasileiras.
No entanto, o que me deixa mais perplexa é quando deparamos com a distância existente entre a realidade brasileira, presente nos fatos narrados acima e o que preceitua a vasta legislação existente.
Nossa Constituição, que considero a mais democrática de todas, prevê como objetivo fundamental do estado em seu Art.3.IV, a promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O ordenamento jurídico do Brasil também contempla inúmeras leis específicas objetivando garantir a igualdade das pessoas, com destaque para a Lei Maria da Penha, associada aos Direitos da Mulher, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) promulgada em 2015, que garante os inúmeros direitos das pessoas com deficiência.
Mas o maior desafio neste mundo que vivenciamos, de tantos retrocessos, é fazer valer, na prática, os inúmeros direitos conquistados pelos mais diversos grupos sociais ao longo da história.
Sem jamais desistir dos meus sonhos e das escolhas que já fiz em minha trajetória neste mundo, marcada por tantos desafios, insisto em reafirmar que o investimento em uma EDUCAÇÃO LIBERTADORA, preconizada por Paulo Freire, é o melhor e único caminho para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e plural. Além disso, no exercício da Cidadania Plena, necessitamos extrapolar o mundo teórico e, na prática, fazer valer, no meio em que vivemos, os inúmeros direitos previstos conquistados a duras penas.
Arregaçar as mangas e cobrar das autoridades (que são eleitas e pagas por nós) ações eficientes e eficazes que garantam o efetivo cumprimento das Leis.
Ao acompanhar as lutas das conhecidas Malala Yousfzai, Greta Thunberg e do jovem Renê Silva, morador do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, que aos 11 anos fundou o Jornal “Voz da Comunidade” voltado a divulgar os problemas de sua comunidade e a combater os mais diversos preconceitos, apesar de tudo, ainda alimento a esperança de dias melhores para frente.
Finalizo esse artigo lembrando Madre Teresa de Calcutá, a “Santa das Sarjetas”, ao dizer que “Quem julga as pessoas não tem tempo para amá-las”.
Nota da Redação: Mariozane Machado Silva (Mari Alexandre) é PcD, formada em Gestão Pública, com aperfeiçoamento em Educação, Inclusão e Diversidade. Em 2018, criou, ao lado do marido Alexandre, o Projeto “Nocauteando o Preconceito”
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