Dia 2 de julho, celebramos o aniversário natalício do Padre Francisco de Paiva Garcia, nosso inesquecível Padre Chico, falecido em 8 de agosto de 2017, depois de ter permanecido por 48 anos como pároco da paróquia São Sebastião.
Tive, com a graça de Deus, a oportunidade de falar sobre alguns aspectos de sua vida em outras ocasiões: no seu jubileu de ouro sacerdotal (2006), no seu passamento à casa do Pai (2017) e na celebração do primeiro aniversário de sua morte (2018). Volto, agora, a tratar, em dois pontos, de lembranças diversas que guardo desse sacerdote, como quem fala de um pai espiritual ou de um amigo muito especial.
O primeiro ponto é o da sua seriedade. É quase impossível a quem conviveu com o antigo pároco da São Sebastião não se lembrar de que ele tinha, na grande maioria das vezes, o semblante de um homem que levava a sua vida sacerdotal a sério. Isso poderia dar dupla interpretação: imaginar um padre fechado e, por conseguinte, desinteressado do seu rebanho ou um padre responsável pelas ovelhas que Deus lhe confiou e às quais deveria demonstrar sua elevada moral. Fico com a segunda alternativa.
Padre Chico era zeloso para com os seus paroquianos, acompanhava a cada um que o procurava com o vivo interesse de oferecer ajuda espiritual e até material; em especial, por meio dos abnegados vicentinos. Às dezenas de doentes que me pediam o padre, incluindo minha avó paterna, ele nunca deixou de atender com grande devoção. De uma das visitas que fizemos a um senhor idoso, doente e muito pobre, num sítio, guardo bem viva a imagem de, na sua saída do quarto do enfermo, dirigir-se à esposa do moribundo e perguntar: “Comadre, como está a dispensa? Não falta nada?”. E a mulher, de cabeça baixa, respondeu: “Falta quase tudo, seu padre, às vezes até remédio”. De pronto, o padre anotou o seu nome e endereço. Assistiu-a por muito tempo.
Ainda no campo moral, o exterior do Padre Chico transmitia a seriedade que estava no seu coração e na sua mente. Aqui, recordo-me de minha mãe, senhora simples da área rural, mas de uma vivacidade a toda prova, que, atenta ao fato de que nem todo sacerdote, infelizmente, é tão pudico no trato com os meninos, não me deixava ir à Missa com alguns padres. Com o Padre Chico, no entanto, aceitava tranquilamente. E estava correta. Diz-se, aliás, que coração de mãe não se engana, pois – e aqui entra o meu testemunho público – nunca o nosso antigo pároco me disse, embora conversássemos bastante nas idas e voltas das celebrações, sequer meia palavra que pudesse, ainda que de longe, insinuar algo malicioso ou menos puro na linha moral. Deus seja louvado!
O segundo ponto a registrar é o conhecimento que o nosso inteligente sacerdote pouso-alegrense tinha da doutrina católica. Sim. Certo sábado à noite, fui com o Padre Chico à Missa da comunidade Nossa Senhora Aparecida, no bairro dos Pedrosos. Eis que lá chegando, já uns 15 minutos atrasado, viu que esquecera os paramentos básicos: a túnica branca e a estola. E aí: deixaria o povo sem Missa ou celebraria sem os paramentos? Visivelmente a contragosto, escolheu a segunda opção.
Nunca me passou pela cabeça que naquele ato quase inimaginável houvesse um erro de qualquer natureza. Todavia, desejava eu encontrar uma explicação plausível para o fato. Já havia lido que sacerdotes perseguidos e presos por ditaduras, especialmente a nazista e a comunista, celebravam com o uniforme de prisioneiros usando umas gotas de vinho e uma migalha de pão na palma das mãos. Circunstância especialíssima! Faltava, no entanto, a explicação teológica. Chamei, no whatsapp, estes dias, um amigo Bispo, de grande envergadura intelectual, e lhe expus o fato. Ele, em minutos me respondeu o que segue: “Normalmente não se faz isso, pois é contra as regras litúrgicas. Mas ele fez uma epiqueia, isto é, supôs um consentimento do superior se estivesse presente”. Em outras palavras, a epiqueia pressupõe uma lei a ser sempre seguida, mas que não obriga em um caso bem determinado e difícil, como foi este que acabo de narrar.
Agradeço, prezado(a) leitor(a), sua atenção e juntos peçamos que o nosso querido Padre Chico interceda a Deus por nós, hoje e sempre. Amém.
Nota da redação: Vanderlei de Lima. eremita de Charles de Foucauld.
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