Por: Guilherme Lazari e André Frota,
11/12/2019
11:12

Em contextos radicalmente distintos, Chile e Brasil enfrentam um choque entre a rigidez de suas constituições e expressivas partes da opinião pública, contrárias a entendimentos escritos nos textos de 1980 e de 1988, respectivamente.

O caso do Chile está relacionado a um cenário de mobilização nacional, em que as ruas foram ocupadas por protestos, iniciados contra o aumento do preço da passagem do metrô de Santiago, mas que evoluíram para uma mobilização nacional a favor de uma nova constituição. O que explica a insatisfação popular com a carta magna chilena é, em grande medida, explicada pelo vício de origem desse texto. Elaborada em um contexto pós-golpe de estado por Jaime Guzmán, um constitucionalista indicado por Augusto Pinochet, o texto coloca o estado em uma função subsidiária ao provimento de direitos sociais, somada a uma estrutura demasiado rígida para mudança do status quo.

O contrato social chileno pós-ditatorial será submetido a um plebiscito em abril de 2020, como o atual presidente Sebastian Piñera já aceitou.  A mudança da posição de Piñera, um político de orientação liberal e rival aos socialistas, representados pela antiga presidente Michele Bachelet, revela a força da mobilização popular, em direção a formação de uma nova constituinte. Uma ruptura diante de uma constituição anacrônica, que mantém a sociedade chilena atrelada a um desenho estatal rígido e a uma carta magna que perdeu sua legitimidade, em relação ao poder constituinte original. 

O caso brasileiro, por outro lado, reflete uma divisão na opinião popular, cuja polaridade se observa na mídia e nas redes sociais ao longo dos desdobramentos da Operação Lava-Jato. Trata-se da discussão acerca da possibilidade de prisão do acusado após seu julgamento em 2ª instância, antes do trânsito em julgado de todos os recursos cabíveis.

O personagem central dessa discussão é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alvo da Operação Lava-Jato, cuja prisão foi decretada em 2018 pelo então juiz Sérgio Moro, atualmente Ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Diante do recente entendimento do Supremo Tribunal Federal, de que não é cabível a prisão em 2ª instância antes de seu trânsito em julgado, Lula foi solto, causando comemoração pela maior parte da esquerda brasileira e protestos das alas conservadoras.

No que diz respeito ao direito do acusado, a Constituição de 1988 é clara ao determinar que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, direito este considerado fundamental, ou seja, uma cláusula pétrea que não é passível de reforma pela maioria do Congresso.

Para driblar este fator, foi apresentada recentemente uma proposta de Emenda Constitucional que não altera este direito fundamental, mas que extinguiria a interposição de recursos para as instâncias superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal). Ou seja, na prática, o réu só poderia recorrer até a 2ª instância e, depois, o processo transitaria em julgado, possibilitando a decretação de sua prisão.

Apesar de tal proposta não atingir o direito fundamental de presunção de inocência do réu, é de se questionar se ela não desrespeita outros princípios constitucionais considerados intangíveis, tais quais o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Em síntese, ambos os casos revelam uma tensão entre o texto legal e a vontade popular. No entanto, os contextos históricos, em que as constituições foram elaboradas foi radicalmente distinto. A chilena, ditatorial, e a brasileira, republicana. O resultado disso é a legitimidade que ambos textos possuem, em relação a suas respectivas sociedades.

Uma nova constituinte para a população chilena representa a fundação de um novo contrato social, republicano e inclusivo. Uma nova constituinte no Brasil é uma ação desproporcional. Enquanto uma reforma constitucional, se provocada apenas por interesses partidário-eleitorais, pode comprometer a proteção dos direitos fundamentais, base de todo Estado Democrático de Direito.

Nota da redação: Guilherme Lazari, advogado; e André Frota, professor dos cursos de Relações Internacionais e Ciência Política e membro do Observatório de Conjuntura do Centro Universitário Internacional Uninter. 


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