Por: André Luiz Bogado Cunha
18/11/2019
14:00

Gosto muito dos livros de José Lins do Rego. O seu estilo direto, profundo e cativante proporciona ao leitor momentos de prazer e de reflexão. É a visão de um menino de engenho que acompanhou a modernização dos meios rurais do Nordeste com olhar no lado social. Sua obra é bastante vasta, mas destacam-se Menino de Engenho, Moleque Ricardo, Doidinho, Riacho Doce, Banguê, Fogo Morto e Pedra Bonita. É sobre este último livro que desejo comentar, pois o vejo muito próximo da realidade brasileira do momento atual.

A trama se passa no sertão do Pernambuco, a Vila do Açu, onde Antônio Bento, a personagem principal, é irmão de cangaceiro e sacristão de seu padrinho, o pároco local. Na primeira parte, são mostrados os conflitos sociais e a política do lugar, que parece não ter mudado muito até os dias de hoje. Já a segunda parte se passa em Pedra Bonita, para onde Bento se dirige e há um fanatismo religioso por parte da população mais pobre, que vê num beato a possibilidade de organização social contra a fome e a opressão. O fanatismo é tal que o consideravam santo. Ele se diz ser Sebastião e ter vindo para salvar o mundo; para tanto, faz sacrifícios de animais e crianças junto à Pedra Bonita.

O romance é muito rico, mostra os extremos da sociedade nordestina da época e, de certa forma, foi baseado em uma histórica verídica, ocorrida em 1838, onde João Antônio dos Santos e, depois, o seu cunhado João Ferreira pregavam que Dom João, rei de Portugal, morto na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, voltaria para transformar seus seguidores em pessoas ricas, jovens, bonitas, saudáveis e, para que isso acontecesse, a Pedra Bonita teria de ser banhada pelo sangue de pessoas e de animais. Formaram uma espécie de reino, com leis e costumes próprios. Só entre os dias 14 e 18 de maio de 1838 foram sacrificadas 87 pessoas, dentre elas crianças e mulheres. Ele dizia que os sacrificados ressuscitariam poderosos e imortais. Acreditando nisso, os fanáticos lhes davam a própria vida. Era uma forma de messianismo exacerbado, importado de Portugal, onde esse sentimento foi bastante forte; porém, sem a crueldade aqui ocorrida.              

Também em Canudos, Antônio Conselheiro preconizava a volta de Dom Sebastião, dando origem ao famoso livro de Euclides da Cunha. O chamado sebastianismo durou décadas.

O que se percebe disso tudo é que o brasileiro sempre acreditou no surgimento de um messias, que irá lutar contra o mal, fazer justiça, melhorar a vida das pessoas. No século XIX, era o sebastianismo; porém, o messianismo sobreviveu (e sobrevive) de diferentes formas.

É curioso como o povo deste país acredita que uma única pessoa seria capaz de fazer a redenção, acabar com a desigualdade, num passe de mágica. Isso se vê muito, nos dias de hoje, na política. Diversos presidentes, de diferentes colorações partidárias se apresentaram para a população como aquele que iria colocar o Brasil no Primeiro Mundo, erradicar a miséria, combater a desigualdade, acabar com a violência e resolver os problemas sociais. Se antes havia um fanatismo religioso, nas últimas décadas, passou-se para o fanatismo político, onde a violência a opositores é legitimada pela crença maniqueísta do combate do bem contra o mal.

Passaram pelo Governo diversos “messias”, e nenhum deles foi capaz de resolver os problemas gravíssimos que o país enfrenta. São promessas vazias de verdadeiros milagres, como aconteceu em Pedra Bonita e em Canudos, porém sob uma nova roupagem.

Essa tendência fanática precisa ser abolida. Quem irá “salvar” o Brasil não será um homem ou uma mulher. A mudança se dará com maior valorização da Educação, de investimento em pesquisas, em tecnologia e respeito aos desiguais. Não é o Governo que vai mudar tudo, mas a população que deverá exigir de seus governantes a atenção para esses setores, que, em outros países, foram fatores de transformação econômica e social.

Nota da redação: André Luiz Bogado Cunha é promotor de Justiça aposentado e colaborador do jornal A Tribuna 

 


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